Saccharomyces boulardii, uma levedura probiótica não patogénica, é utilizada há muitas dezenas de anos na Europa no tratamento de vários tipos de diarreia. É usado para prevenir as diarreias associadas às antibioterapias ou a uma alimentação nasogástrica, bem como para tratar no adulto e na criança as diarreias agudas ou associadas à Clostridium difficile ou a diarreia crónica dos pacientes infectados com HIV.
Saccharomyces boulardii é uma levedura tropical selvagem, foi descoberta na Indochina em 1923 pelo cientista francês Henri Boulard. Conseguiu isolá-la a partir da casca de vários frutos tropicais (líchias, mangostão) depois de ter constatado que as populações indígenas utilizavam a casca destes frutos tropicais como medicamentos antidiarreicos.
No ser humano, a Saccharomyces boulardii não coloniza o sistema intestinal de forma permanente. Quando se interrompe a sua administração, as células deixam de ser detectadas nas fezes 6 a 7 dias depois.
Prevenção das diarreias associadas às antibioterapias
Foram realizados três grandes estudos sobre os efeitos preventivos da Saccharomyces boulardii na diarreia associada às antibioterapias. Um deles, multicêntrico, seguiu um total de 388 pacientes em ambulatório em 25 centros. Os sujeitos, com idade mínima de 15 anos, tomavam antibióticos (tetraciclina ou betalactâmico) durante pelo menos 5 dias e não tinham qualquer patologia intestinal quando se inscreveram no estudo, realizado em dupla ocultação e controlado por placebo. Tomaram de forma aleatória durante a duração da antibioterapia 100 mg de Saccharomyces boulardii ou um placebo. De entre os pacientes que tomaram o probiótico, apresentou diarreia um número significativamente inferior do que entre os que tomaram o placebo. (4,5 % contra 17,5 %)
1.
Tratamento das doenças causadas por Clostridium difficile
A Clostridium difficile está associada a um terço dos casos de diarreias relativas a uma antibioterapia e a perto de 99,8% de todos os casos de colite pseudomembranosa. Está envolvida num amplo espectro de doenças gastrointestinais, desde a diarreia sem complicações às colites pseudomembranosas, podendo levar à morte. É a causa mais frequente das diarreias nosocomiais.
O tratamento destas doenças vai desde a interrupção da toma do antibiótico responsável até à administração de vancomicina, de metronidazol ou de bacitracina. Infelizmente, 10 a 20% dos pacientes tratados desta forma têm recaídas. Ficam também mais susceptíveis de ter episódios repetidos da doença. Foram realizados ensaios clínicos para avaliar a eficácia da Saccharomyces boulardii como tratamento ou tratamento adjuvante da Clostridium difficile.
Um ensaio aberto examinou o interesse da Saccharomyces boulardii, associada a vancomicina (500 mg/dia) em 16 pacientes com uma doença recorrente. Foram tratados durante 10 dias com vancomicina e, depois, durante 30 dias com Saccharomyces boulardii (1 g/dia). 85% de entre eles responderam bem ao tratamento combinado e não tiveram qualquer recaída
2.
Nas crianças, a colite pseudomembranosa é rara, o que não significa que as crianças de tenra idade estejam livres de uma infecção causada por Clostridium difficile. Realizou-se um estudo envolvendo 19 bebés e crianças com diarreia crónica. A Clostridium difficile, produtora de toxina B, foi o único germe patogénico identificado no grupo estudado durante a coprocultura. A maioria destas crianças havia recebido recentemente um tratamento com antibióticos. Uma dose diária de Saccharomyces boulardii (500 a 1000 mg/dia consoante a idade) durante 15 dias propiciou rapidamente o desaparecimento dos sintomas em 18 destas crianças e a negativação da toxina da Clostridium em 16 de entre elas
3.
Tratamento de diarreias agudas
Tanto na criança como no adulto, a diarreia é frequentemente uma doença com um início brutal, que pode durar entre alguns dias a algumas semanas. A gravidade depende da sua etiologia, que pode ser um envenenamento alimentar, uma intoxicação, uma infecção bacteriana, viral ou parasitária. Realizaram-se vários estudos para avaliar o interesse de Saccharomyces boulardii no tratamento da diarreia aguda.
Um destes estudos envolveu crianças (15 meninos e 12 meninas), saudáveis, com idades entre os 6 meses e os 10 anos, hospitalizados com uma diarreia aguda. Metade do grupo tomou duas vezes por semana durante 7 dias 250 mg de S. boulardii dissolvido em 5 ml de água, ao passo que a outra metade do grupo tomou um placebo. Este estudo confirmou a eficácia de S. boulardii nas gastroentrites agudas da criança; os resultados sugerem que o tratamento reforça a resposta imunitária
4. Um outro estudo envolveu 100 pacientes em ambulatório com idades entre os 3 e os 24 meses, com uma diarreia aguda ligeira a moderada. Os resultados mostraram que S. boulardii – como tratamento adjuvante de solutos de reidratação – diminui a duração da diarreia, acelera a recuperação e reduz o risco de diarreia prolongada. A eficácia é potenciada quando S. boulardii é administrado nas primeiras 48 horas da doença
5.
Diarreia do viajante
A eficácia de S. boulardii na prevenção da diarreia do viajante foi examinada num estudo realizado em dupla ocultação e controlado por placebo, envolvendo 1231 viajantes. Os sujeitos foram divididos em três grupos e receberam 250 mg de S. boulardii, 500 mg ou um placebo para tomar diariamente. O tratamento teve início 5 dias antes da partida e foi seguido durante toda a duração da viagem. O efeito preventivo diferiu consoante as regiões visitadas e foi ligeiramente mais relevante com a dose mais forte. Permitiu reduzir a incidência da diarreia em 20 a 25%
6.
Tratamento das diarreias crónicas em indivíduos infectados com HIV
Nos pacientes infectados com HIV, as diarreias podem resultar de diferentes etiologias infecciosas, mas – numa grande parte dos casos – a causa é indeterminada. A perda de nutrientes, o desequilíbrio dos electrólitos e a desidratação são particularmente perigosos nos pacientes imunodeprimidos. No ensaio
7 aberto, 17 pacientes seropositivos com uma diarreia crónica tomaram S. boulardii durante 15 dias. No final do tratamento, o número de dejecções havia passado de 9 para 2 por dia e os pacientes ganharam em média 4 kg durante o estudo. 35 pacientes seropositivos infectados com HIV e com diarreia crónica foram inscritos num estudo realizado em dupla ocultação e controlado por placebo. No final do estudo, que durou uma semana, 56% dos pacientes que tomavam S. boulardii já não apresentavam diarreia, contra 6% no grupo que tomou o placebo
8.
Melhora os sintomas da síndrome do cólon irritável
A síndrome do cólon irritável manifesta-se por dores no baixo-ventre, perturbações na defecação (diarreias e/ou obstipação), bem como por sensação de inchaço. Num estudo aleatório realizado em dupla ocultação e controlado por placebo, 34 pacientes tomaram 250 mg de S. boulardii três vezes por dia durante um mês. Todos os pacientes sofriam de diarreias. Tanto os médicos como os pacientes avaliaram o tratamento como sendo estatisticamente superior ao placebo. O número de dejecções baixou e a consistência das fezes melhorou
9.
Referências:
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