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16-04-2018

Desconfie do sector dos lacticínios – 170 casos de lobbying repertoriados num estudo

lacticínios Já se questionou sobre a forma como o ser humano acabou por integrar o leite na sua alimentação, quando a quase totalidade dos mamífero se recusam a fazê-lo? Pergunta-se cada vez mais se esta particularidade é verdadeiramente uma vantagem ? Em todo o caso, uma coisa é certa: faz-se de tudo para que você acredite nisso.

Investigadores independentes revelam continuamente as inúmeras atividades de lobbying particularmente no caso dos dois monstros do setor dos laticínios – a Lactalis e a Danone – e do CNIEL (1). Atividades realizadas com o intuito de influenciar o comportamento dos consumidores bem como as políticas governamentais europeias. A sua estratégia? Fazer crer que o leite é indispensável à saúde.

Contudo, apesar de ter podido constituir uma vantagem para alguns dos nossos antepassados, é importante não cair na armadilha: o leite está longe de ser indispensável e pode mesmo causar alguns problemas de ordem nutricional (ver mais adiante no artigo). Mas é preciso escoar os 130 milhões de toneladas de leite produzidas anualmente na Europa…

Os produtos lácteos ajudaram alguns dos nossos antepassados a sobreviver

A história do leite começou verdadeiramente há cerca de 10 000 anos. Nessa altura, o ser humano não consumia leite; tal como os outros animais, perdia a capacidade de o digerir após o desmame. Desta forma, os lactentes têm garantida uma fonte nutritiva que não interessa a ninguém, e a sobrevivência da espécie fica reforçada.
Mas é também a época em que um punhado de seres humanos decidem romper com a sua condição ancestral de nómadas e domesticar animais. E neste mundo novo, onde se espera ter menos esforço, as regras mudam rapidamente; a quantidade de alimentação disponível aumenta e conduz inevitavelmente a um forte crescimento demográfico. Para responder a este crescimento, é preciso produzir cada vez mais alimentos e explorar ao máximo os produtos da criação de gado.

Foi assim que os seres humanos tiveram a ideia de transformar o leite dos animais, que não conseguiam digerir, num produto derivado muito mais fácil de digerir: o queijo. Não o sabem, como é evidente, mas a razão pela qual podem consumir este novo alimento é porque ele contém muito menos lactose do que o leite. A partir dos 5 anos de idade, todos os indivíduos deixam de produzir lactase, uma enzima que permite justamente “decompor” a lactose em glicose e em galactose – dois açúcares perfeitamente digeríveis. Mas este forte crescimento demográfico leva também a uma grande variação genética e surgem rapidamente certos seres humanos, por efeito de mutações aleatórias, que podem beber leite depois dos 5 anos de idade sem sofrer muitos efeitos secundários(2-3).

Na verdade, estes “novos tolerantes ao leite” continuam a produzir um pouco de lactase, por isso podem alimentar-se do leite dos animais que criam. Uma particularidade que lhes vai conferir uma vantagem nutritiva considerável sobre os seus homólogos, sobretudo em períodos de fome! Assim, pouco a pouco, e dado que os “novos tolerantes ao leite” sobrevivem melhor do que os outros, a mutação responsável pela tolerância difunde-se. Ao ponto de se espalhar progressivamente por toda a Europa, como pode ver neste mapa:

lactase
Freqüência de tolerantes à lactose na população mundial

Podemos portanto dizer, de certa forma, que o consumo de leite teve um dia vantagens para alguns seres humanos. Ajudou inegavelmente as pessoas que o conseguiam digerir a sobreviver melhor aos períodos de fome, comparativamente às que eram incapazes de o fazer.

Mas isso não lhe terá escapado no mapa: existem actualmente inúmeros lugares no planeta onde os seres humanos continuam a não conseguir digerir o leite. E passam muito bem sem ele! Se der uma vista de olhos à classificação dos países relativamente a esperança de vida gozando de boa saúde, encontra o Japão em primeiro, um país onde os habitantes não consomem leite.

Como explicar este mistério? Na realidade, é muito simples: a capacidade de digerir o leite permitiu aumentar ligeiramente a probabilidade de sobrevivência às grandes fomes da História, mas actualmente – quando temos à disposição alimentos variados – o leite está longe de ser um alimento indispensável. Contudo, tentam convencer-nos do contrário recorrendo a spots publicitários televisivos e a campanhas de comunicação agressivas.

Os produtos lácteos são compatíveis com um tempo de vida mais longo e sem doenças?

O leite é um alimento rico, precioso em tempo de escassez e que ajudou inegavelmente algumas populações a sobreviver melhor às condições hostis. Mas hoje em dia, quando vivemos num mundo em que temos acesso a milhares de alimentos, apresentará ele o mesmo interesse? O consumo de 3 a 4 produtos lácteos por dia, recomendado pela indústria dos lacticínios, é compatível com a esperança de viver mais tempo e com a melhor saúde possível?

Pode ler de tudo e o seu contrário sobre as ligações possíveis entre os produtos lácteos e determinadas doenças. Trata-se de um domínio ainda extremamente vago, devido às acções de lobbying descritas no estudo, como é evidente, mas também porque ainda não conseguimos compreender com exactidão os mecanismos que estão envolvidos em determinadas patologias em causa (como a osteoporose), nem estudar com precisão o impacto a longo prazo de uma variável alimentar tão complexa.

Mas há três coisas que são inegáveis e que põem em causa esta recomendação de 3 a 4 produtos lácteos por dia.

1) O consumo de 3 produtos lácteos por dia faz com que se ultrapasse, na grande maioria dos casos, o consumo máximo de gorduras saturadas fixado pela OMS.

Se decidir respeitar esta recomendação, arrisca-se a ultrapassar em muito os limites em matéria de gorduras saturadas fixados pela OMS, de 20 g por dia. Sobretudo se segue também uma outra recomendação do PNNS segundo a qual é preciso ingerir diariamente uma a duas porções de carne. As gorduras saturadas são os ácidos gordos que têm uma ligação com o risco de doença cardiovascular4, e acontece que os produtos lácteos contêm uma grande quantidade destas substâncias. Os 3 casos de estudo seguintes dispensam comentários: calcio

2) O consumo de 3 produtos lácteos não incita a diversificar os aportes de cálcio

Uma das razões que impelem as autoridades a recomendar o leite é o respectivo teor em cálcio. Um copo grande de leite fornece cerca de 200 mg, o que corresponde sensivelmente a 25% dos aportes recomendados pelo ANSES, ao passo que 30 g de queijo tipo “comté” fornece mais de 300 mg. Se fizer o cálculo, notará que o consumo de 3 a 4 produtos lácteos por dia cobre facilmente as necessidades de cálcio do dia (900 mg para um adulto).

Sim, mas eis que existe um “soluço”. Existem outros alimentos que são igualmente ricos em cálcio e que são plenamente considerados como alimentos-saúde: os legumes verdes (os espinafres, o funcho, a couve, o feijão verde…), as leguminosas, os frutos de casca rija (como as nozes), mas também as sementes e até mesmo algumas frutas. Porque não os recomendar? A indústria dos lacticínios retorque que estes alimentos são geralmente recusados pelas populações e que, por conseguinte, seria demasiado arriscado rever por baixo as recomendações dos produtos lácteos. Por outras palavras, persiste-se em recomendar uma família de alimentos demasiado precisa em vez de educar a população para diversificar as suas fontes de cálcio. Isto parece uma grande contradição relativamente aos princípios de base da alimentação… Ainda mais quando a tudo isto se junta um outro dado: o excesso de proteínas animais seria acidificante e poderia propiciar as fugas de cálcio.

O segundo argumento do sector dos lacticínios consiste em lembrar que o leite é um alimento rico em vitamina D, que contribui para a absorção e a utilização normal do cálcio e do fósforo5, para a manutenção normal dos ossos6, da função muscular7 e do sistema imunitário8.
É verdade, mas seria preciso não esquecer de precisar que – na realidade – o leite é artificialmente enriquecido com esta vitamina! Ao natural, trata-se de um alimento que praticamente não contém vitamina D. Antes de o comercializar, é-lhe adicionada uma solução vitamínica (à semelhança do que se faz com algumas bebidas de soja) e está feito!

Por outras palavras, pode optar por tomar um suplemento de vitamina D sem se sentir culpado. É muito importante pois, actualmente, a falta de exposição ao sol (associada, por exemplo, ao tempo que passamos no escritório/trabalho ou ao confinamento dos idosos), o excesso de peso (a gordura corporal sequestra uma parte da vitamina D e impede-a de circular no sangue 9) e o envelhecimento (parece que com a idade as capacidades de síntese e de absorção diminuem) provocam carências generalizadas de vitamina D.

3) O consumo de 3 produtos lácteos pode provocar dores de barriga e diversos sintomas ligados à sua má digestão

Há 50 anos, os franceses consumiam duas vezes mais leite do que actualmente. Mas hoje em dia, tem-se cada vez mais consciência de que um consumo excessivo de produtos lácteos pode provocar problemas digestivos incómodos.
E isso explica-se cientificamente: a maioria dos europeus do norte continuam a produzir lactase, mas em muito pequenas quantidades, por o leite nem sempre é bem digerido. Em graus diferentes e em função das pessoas, estas quantidades que escapam à digestão podem ocasionar inchaços, gases e flatulências perfeitamente lógicas. Estes sintomas são, evidentemente, exacerbados nos asiáticos, nos ameríndios, nos latino-americanos e nos fenótipos de pele escura dado que, na sua maioria, deixaram de produzir toda e qualquer lactase.

Como reduzir o consumo de produtos lácteos?

Se decidir diminuir o seu consumo de lacticínios, vai reduzir os seus aportes de gorduras saturadas, de gorduras trans, talvez até de sódio, mas também os seus aportes de cálcio e de vitamina D.

Para compensar, precisará portanto de:

  • Aumentar os seus aportes de fontes de cálcio (entre 900 e 1200 mg idealmente).
  • Aumentar os seus aportes em fontes de vitamina D (de 800 UI a 2000 UI no mínimo) e fazer mais actividades ao ar livre, se tiver possibilidade disso.

Estas duas tabelas deveriam ajudá-lo(a) a fazer melhores escolhas nutricionais para substituir os produtos lácteos:

Fontes de cálcio

Porções

Cálcio (mg)

1

Tofu (com sulfato de cálcio)

100 g

683 mg

2

1 cápsula vegetal de Calcium-AEP 500 mg

500 mg

3

Sardinhas grelhadas

100 g

380 mg

4

Bebida de soja enriquecida

250 ml

330 mg

5

Leite de vaca

250 ml

330 mg

6

Salmão

100 g

250 mg

7

Camarões

100 g

240 mg

8

Feijão branco (cozido)

250 g

170 mg

9

Couve verde (cozida)

200 g

140 mg

10

Espinafres fervidos

125 g

130 mg

11

Agrião

50 g

80 mg

12

Rúcula

60 g

80 mg

13

Amêndoas

30 g

75 mg

14

Feijão verde

150 g

60 mg

15

Figos secos

40 g

65 mg

16

1 laranja

/

50 mg


Fontes de vitamina D

Porções

Vitamina D (mg)

1

1 cápsula de vitamina D3

1

1000 UI

2

Salmão cozido ou cru

75 g

400 a 630 UI

3

Óleo de fígado de bacalhau

5 ml

430 UI

4

Cavala

75 g

350 UI

5

Sardinhas

75 g

150 UI

6

Leite de vaca

250 ml

100 UI

7

Bebida de soja ou de arroz enriquecida

250 ml

90 UI

8

Atum em conserva

75 g

60 UI

9

Charcutaria

3 fatias

30 a 50 UI

10

Fígado, vaca

75 g

35 UI


Em todo o caso, o estudo, publicado na revista Public Health Nutrition, lembra-nos uma escolha essencial em matéria de informações de saúde: manter sempre o espírito crítico.

Referências
1. Mialon M, Mialon J. Corporate political activity of the dairy industry in France : an analysis of publicly available information. Public Health Nutrition. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28689497
2. J. Burger et al. Absence of the lactase-persistence-associated allele in early Neolithic Europeans. PNAS vol. 104 no. 10 > J. Burger, 3736–3741
3. Mialon J&M. Evolution of lactase persistence: an example of human niche construction. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2011 Mar 27; 366(1566): 863–877.
4. Jakobsen MU, O'Reilly EJ, Heitmann BL, et al. Major types of dietary fat and risk of coronary heart disease: a pooled analysis of 11 cohort studies. Am J Clin Nutr 2009;89:1425–32 [PMC free article]
5. EFSA opinion reference : 2009;7(9):1227, 2011;9(6):2203 [Commission Regulation (EU) 432/2012 of 16/05/2012]
6. EFSA opinion reference : 2009;7(9):1227, 2009;7(9):1272 [Commission Regulation (EU) 432/2012 of 16/05/2012]
7. EFSA opinion reference : 2010;8(2):1468 [Commission Regulation (EU) 432/2012 of 16/05/2012]
8. EFSA opinion reference : 2009;7(9):1227 [Commission Regulation (EU) 432/2012 of 16/05/2012]
9. Holick MF, Binkley NC, et al. Evaluation, Treatment, and Prevention of Vitamin D Deficiency: an Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2011 Jun 6. Texte intégral : www.grassrootshealth.net
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